quinta-feira, 11 de agosto de 2011

RECURSO INTEMPESTIVO NÃO INTERROMPE O PRAZO DECADENCIAL PARA PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA.


          Na sessão do dia 05/08/2011, com sua composição plena, integrado pelos Des. Luís Augusto Coelho Braga (Presidente), Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, Des. Artur Arnildo Ludwig, Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, Des. Gelson Rolim Stocker, Des. Romeu Marques Ribeiro Filho e Des. Ney Wiedemann Neto e com o voto condutor da Relatora DES.ª ISABEL DIAS ALMEIDA, em decisão unânime, 3° Grupo Cível do TJRS reconhece que o recurso intespestivo não interrompe o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória.
          TAL ENDENDIMENTO FOI PROFERIDO NO JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL Nº 70043706548, COM A SEGUINTE EMENTA:



AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO RESCISÓRIA. decisão monocrática que indeferiu a inicial, extinguindo a ação rescisória.
Ausência de fundamentos a modificar a decisão agravada. O termo inicial do prazo decadencial para o ajuizamento de ação rescisória é o trânsito em julgado da última decisão que analisou o mérito da causa. O recurso interposto intempestivamente não interrompe o prazo. Precedentes do STJ. Caso em que a ação rescisória foi ajuizada levando em conta o trânsito em julgado de decisão do STF que apenas confirmou a intempestividade do recurso extraordinário interposto. Assim, para a contagem do prazo, deve ser considerado o trânsito em julgado do acórdão que julgou os embargos de declaração 70008601833. Em que pese não tenha sido trazido aos autos a data de publicação do referido acórdão, verifica-se, pela análise dos elementos constantes do processo, que a presente ação foi ajuizada após o transcurso do prazo decadencial de dois anos, devendo, pois, ser indeferida a petição inicial. Art. 267, I, c/c os arts. 490, I, e  295, IV, todos do CPC.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.

RECOMENDAMOS A LEITURA DO VOTO, QUE ESTARÁ DISPONÍVEL NO SITIO DO TJRS ASSIM QUE FOR PUBLICADO O ACÓRDÃO.

domingo, 26 de junho de 2011

DEFINIÇÃO DO JUÍZO COMPETENTE. DIREITO INDIVIDUAL X DIREITO COLETIVO.

1)    Cada demanda nova no judiciário de um Estado da Federação implica congestionamento, talvez o fenômeno mais corrosivo à jurisdição contemporânea. Nessa linha, o congestionamento in genere constitui fator de relevância na exegese legal necessária para resolver o problema da competência territorial.
2)    Ocorrendo um conflito entre o direito individual de escolha da jurisdição e o interesse coletivo ao menor congestionamento, é viável ao Juiz tratar do caso na perspectiva da regulação da coexistência dos dois direitos, excluindo o primeiro e preservando a idéia de menor congestionamento, porque obviamente mais relevante do ponto de vista social, razão de estarmos falando em abuso de direito, declinável até de ofício.
3)    O congestionamento para constituir fator de relevância na exegese legal necessária para resolver o problema da competência, diz respeito ao conflito que resulta entre as Justiças Estaduais e não apenas entre as comarcas de uma mesma Justiça Estadual. Em relação a essas, quando eventual dúvida em relação a competência territorial se forma, se resolve pelas regras comuns da definição da competência territorial, e, por conseqüência, as regras da definição da competência relativa.

A questão para análise diz respeito a ser competente, ou não, a Justiça de um determinado Estado da Federação, para processar e julgar ações ajuizadas em desfavor de parte demandada que possua filial ou sucursal no território da comarca deste Estado onde foi efetivamente proposta a demanda, mas, não tendo a parte autora, nem residência ou domicílio e nem o contrato possui cláusula de eleição no foro onde a demanda foi proposta.
Aparentemente o objeto do presente recurso, é a definição da competência territorial e, se analisado só como tal, estaríamos tratando de competência relativa, onde seria inegável a aplicação da Súmula 33 do STJ e a solução deveria se dar com base no direito da parte demandante escolher o território do juízo, dentro do que lhe garante as normas previstas na Seção III, Capítulo III, Título IV, do CPC, a partir do art. 94 do Codex Processual, em especial quando à demanda for aplicável a regra do art. 100, IV, em qualquer de sua letras “a” a “d”, do CPC. Ou, ainda, quando a demanda for protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, garantir que a regra da escolha do foro pelo autor seja resguardada, quer na previsão geral do art. 6°, VIII, como na específica do art. 93, I e II, ambos do Código Consumerista.
Mas não se trata de uma definição tão simplista assim, não!
Para responder a questão se pode ou não, qualquer litigante residente ou domiciliado em qualquer parte do território nacional, ajuizar sua demanda em qualquer Comarca do País, com ou sem a formação de litisconsórcio ativo facultativo, estes também com distintos domicílios e espalhados País afora, bastando que a parte demanda tenha sede ou sucursal na comarca escolhida, não creio e nunca acreditei, na simplista solução da definição territorial do juízo, e nem que as regas da definição da competência relativa fossem a solução.
De início pressentia, e assim decidia, que o ajuizamento de uma demanda em comarca, não só distante, mas de outro Estado da Federação da de origem do autor ou do fato, violava o juízo natural e, por tal, deveria ser afastada essa violação, o que poderia ser decidido até de ofício.
Mas, a afirmação de que a escolha da Justiça de um determinado Estado Federado feriria o princípio do juiz natural não foi o melhor caminho para impedir a formação e o desenvolvimento do processo na Justiça desse Estado. Isso porque o princípio em causa deveria operar em favor da própria parte que escolhe. Por outro lado, a escolha do juízo sempre implicará escolha, como se existissem dois ou mais juízos naturais, o que afastaria o abuso ou a violação no ato de escolher em si mesmo.
Então, mesmo mantendo a conclusão de que esse tipo de demanda, com diversos litigantes ou não, mas com residência e domicílio da parte autora em outro(s) Estado(s), deveria processada e julgada no Estado de origem dos litigantes, passei a decidir no sentido de que a escolha do juízo sem nenhuma razão aparente em benefício da própria parte autora, pelo menos declinável, seria, tal conduta, um desvirtuamento das normas protetivas aos consumidores em geral e aos litigantes em particular, pois não se poderia imaginar lhes ser mais favorável comparecerem para um depoimento pessoal, por exemplo, em local tão distante, mas também um ato contrário à dignidade da justiça, sendo um dever do juiz prevenir ou reprimir esses atos, nos termos do art. 125, III, do CPC.
Mas, também cheguei a conclusão que não seria o caso de examinar a competência territorial a partir da posição das partes, porque seria necessário identificar um prejuízo real que autorizasse entender-se prejudicada qualquer das partes com a escolha. E não é possível, juridicamente, dizer que a escolha da Justiça de um determinado Estado poderia configurar, em si mesma, dado estrutural de um prejuízo. Pelo menos juridicamente isso parece inviável, pois a parte demandante teria, em tese, esse direito de escolha e a parte demandada tem estrutura no Estado Federado escolhido para o litígio judicial e não há, assim, dificultação à defesa para além do padrão de dificuldade que as normas sobre competência consideram admissíveis, especialmente naquelas hipóteses em que as normas de competência protegem um das partes.
Na verdade, lendo as obras doutrinárias de Ruy Zoch Rodrigues, em especial seu último livro AÇÕES REPETITIVAS – Casos de Antecipação de Tutela sem o Requisito de urgência, Editora Revista dos Tribunais, 2010, me inspirei nelas (é bom dar a origem de tudo, creio) para concluir que a permissividade para que os litígios sejam ajuizados com uma aparente legalidade na definição do território do juízo competente, não poderia mesmo prevalecer, mas que, o melhor fundamento é o de que está presente, o abuso de direito.
Este, o abuso de direito, configura conduta em que o agente opera conforme a Lei particular que lhe confere determinado direito ou faculdade. Examinada individualmente, a conduta é lícita. Ocorre que por não existir sozinho, mas em sociedade, há “outros direitos” convivendo concomitantemente com o seu. No dizer de Pontes de Miranda (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, RT, 1984, vol. 53, p. 61-76, § 5.500), obra com importantes reflexões sobre a estrutura do abuso de direito, onde a minha inspiração se consolidou nas conclusões ora expostas, a coexistência pode configurar a hipótese em que “dois direitos” ocupem o “mesmo espaço”, exigindo a relativização de um ou de ambos para compatibilizar o impasse que então se forma.
Neste ponto situa-se o abuso de direito como regra de relativização ou limitação para permitir a coexistência dos direitos sem choques.
“O abuso de direito, em palavras simples e objetivas, pressupõe licitude no antecedente e ilicitude no conseqüente, pois originariamente o agente lança mão de um direito mas o exerce com excesso ou com abuso”.
“Então, o ato que era inicialmente lícito, em um segundo momento converte-se em ilícito pelo excesso e não em razão da sua origem”.
“Do que se infere que a idéia do abuso sustenta-se em uma apreciação relativa ao modo pelo qual o titular exerce o direito (LORENZETTI, 1996, p. 53)”.
“Quando a pessoa pratica uma ação ou omissão permitida, diz-se que praticou um ato lícito e, portanto, não proibido”.
“Diz-se também que agiu no exercício regular de um direito”.
“Sua ação é lícita”.
 “Quando, porém, o indivíduo pratica uma ação ou omissão proibida, prevista expressamente na lei como não permitida, diz-se que cometeu um ato ilícito e, portanto, condenado pelo Direito Positivo”.
“Mas quando essa mesma pessoa faz valer ou exercer mal o seu direito, cometendo excessos, desvio ou abuso, nasce então o abuso do direito como verdadeiro tertius genus”.
Segundo entendimento já esposado em item precedente, o novo Código Civil de 2002 consagrou esse entendimento e cobriu lacuna do Código Civil de 1916, adotando a teoria do abuso do direito, definindo-o como ato ilícito e afastando discussão doutrinária secular.[1]

Trata-se, esta regra, de limitação de um direito, de configuração objetiva (no sentido que não exige o elemento subjetivo para configurar o abuso de direito) que expressa apenas uma parte do tratamento contemporâneo do tema no direito brasileiro. No entanto, ela permite ver com clareza a razão de ser do abuso de direito. Hoje, no Brasil, agrega-se a essa idéia o elemento subjetivo, ou seja, para que haja abuso de direito o agente tem de praticar o ato de exercício de direito que irá chocar-se com o(s) outros(s) direito(s) dolosamente (de forma direta ou eventual) ou, no mínimo com culpa grave.

Então, o que realmente justifica excluírem-se os demandantes de outros Estados, seja nas ações individuais, seja nas ações em litisconsórcio com outros consumidores residentes no território da Justiça escolhida, é um direito coletivo e um direito difuso assim explicados:
- Cada demanda nova no judiciário de um Estado da Federação implica congestionamento, talvez o fenômeno mais corrosivo à jurisdição contemporânea. Nessa linha, o congestionamento in genere constitui fator de relevância na exegese legal necessária para resolver o problema da competência nesses casos.
Visto assim, o grupo de indivíduos que demanda no Judiciário se ressente de mais demora a cada demanda nova que ingressa. Ocorre, assim, um conflito entre o direito individual de escolha da jurisdição e o interesse coletivo ao menor congestionamento, cenário em que é viável ao Juiz tratar do caso na perspectiva da regulação da coexistência dos dois direitos, excluindo o primeiro e preservando a idéia de menor congestionamento, porque obviamente mais relevante do ponto de vista social.
Fala-se em direito coletivo, porque se trata de uma coletividade de pessoas (os demandantes na Justiça escolhida) determinável, embora indeterminada, elemento chave no conceito de direito coletivo stricto sensu expresso no Artigo 81, inciso II do Código do Consumidor.
Esclareço, desde logo, que o congestionamento in genere para constituir fator de relevância na exegese legal necessária para resolver o problema da competência nesses casos, diz respeito ao conflito que resulta entre as Justiças Estaduais e não apenas entre as comarcas de uma mesma Justiça Estadual. Em relação a essas, quando eventual dúvida em relação a competência territorial se forma, se resolve pelas regras comuns da definição da competência territorial, e, por conseqüência, as regras da definição da competência relativa.
Indo um pouco além, e encarando o problema no âmbito de toda a sociedade de um determinado Estado da Federação, no caso o RGS, e não apenas daqueles que estão demandando em juízo, o conflito supramencionado se opera com direito difuso (artigo 81, III, CDC), pois a mitigação do congestionamento é essencial ao funcionamento do Judiciário, instituição relevante na organização da sociedade.
A última questão a ser enfrentada para saber da possibilidade do equacionamento do problema pela via do abuso de direito, que entendo ocorrer, é relativa à presença de dolo (direto ou eventual) ou culpa grave na conduta dos que escolhem a Jurisdição de um determinado Estado, provocando congestionamento que poderia ser evitado, sem prejuízo a quem escolhe, pelo acesso ao Judiciário de seus Estados de origem.
Como se sabe, o direito brasileiro exige o elemento subjetivo (dolo ou culpa), além da estrutura objetiva de que se falou acima, para configurar o abuso.
E parece não haver dúvida sobre o dolo. Basta interpretar o universo reiterado dessas demandas, que constitui fato notório (Artigo 334, I, do Código de Processo Civil), no qual se percebe a clara intenção de “driblar” a correta definição do território competente da Justiça, sem violação dos demais direitos, em especiais os coletivos que devem ser preservados por primeiro. Outro meio de prova de que se pode lançar mão para completar a convicção acerca do abuso, e do qual lanço, é aquele previsto no artigo 335 do CPC, relativo às máximas da experiência, em cujo contexto reforça-se a certeza do reiterado desvio consciente no âmbito dessas demandas.
A Doutrina tem acolhido o abuso de direito e as conseqüências de sua ocorrência, senão vejamos, mais uma vez no abalizado Rui Stoco:
“Portanto, o abuso do direito de demandar contamina a ação como um todo, enquanto o ato de má-fé praticado no processo, como acontecimento episódico ou isolado, pode, no máximo, conduzir à anulação do ato ou apenas ao reconhecimento do comportamento repudiado pela Lei, com a conseqüente imposição de sanção pecuniária” [2]
(...)
“Atual redação do artigo 187, do Código Civil Brasileiro”:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
“Pedro Baptista MARTINS (1997, p. 157) nos dá uma visão diversa da questão, assim de manifestando: ‘Culpa e exercício de um direito são duas noções incoadunáveis. Onde a culpa aparece não pode haver exercício de um direito e reciprocamente, a idéia de um direito em ação exclui definitivamente a de culpa’ (grifo nisso)”.
“Esqueceu-se, porém, de que no abuso do direito há legitimidade no antecedente, quando a pessoa atua exercendo um direito legítimo e previsto (como o direito de ação), e culpa no conseqüente, a partir do momento em que desborda do direito concedido (abusando daquele direito de ação), tendo em vista o modo irregular com que o exerce.”
(...)
“Impõe-se esclarecer e fincar entendimento no sentido de que o conceito de fraude processual e de má-fé processual liga-se intimamente ao dolo, estando incluída nesse conceito a culpa grave, quando o agente assume integralmente o risco de prejudicar ou age com tal desídia que o seu atuar exsurge inescusável e, assim, confina-se e se aproxima do próprio dolo.”[3]

Penso que, com esse entendimento, fica superada qualquer discussão que existia sobre a ocorrência ou não da violação do juiz natural, ou a questão da violação ou não da dignidade da Justiça, mas definitivamente reconhecido que não é competente o território da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul para resolver as demandas que, com abuso de direito, sejam aqui distribuídas, pois a escolha do território da Justiça competente não é um direito inviolável e exclusivo da parte autora, quando tal direito vier em prejuízo da coletividade.
                                                                                                            Gelson Rolim Stocker


[1] STOCO, Rui. ABUSO DE DIREITO E MÁ-FÉ PROCESSUAL - ASPECTOS DOUTRINÁRIOS, Revista dos Tribunais, 2002, p.142-144

[2] STOCO, Rui. ABUSO DE DIREITO E MÁ-FÉ PROCESSUAL - ASPECTOS DOUTRINÁRIOS, Revista dos Tribunais, 2002, p.76-77
[3] STOCO, Rui. ABUSO DE DIREITO E MÁ-FÉ PROCESSUAL - ASPECTOS DOUTRINÁRIOS, Revista dos Tribunais, 2002, p.148

sábado, 30 de abril de 2011

DA COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DA SUCUMBENCIA E A EFICÁCIA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

Não tenho nenhuma dúvida em afirmar que aos honorários de sucumbência devem ser garantida a autonomia e o reconhecimento de sua natureza alimentar.

A questão é que, apesar desse meu entendimento, registre-se minoritário, ou seja, sou vencido, mas não convencido, o Superior Tribunal de Justiça e demais Tribunais de nosso País, quando trata da sucumbência recíproca, têm reiteradamente mantido o entendimento da Súmula 306 do STJ, no sentido de permitir a compensação.

A justa remuneração do advogado vem ao encontro da sua indispensabilidade à administração da Justiça, conforme o art. 133 da CF e como tal há de ser considerada, pois representa a retribuição pelo trabalho realizado por um agente indispensável da administração da justiça, não remunerado pelo Estado.
A Lei n° 8.906, de 1994, que instituiu o Estatuto da Advocacia e do Advogado garantiu, além do direito à percepção dos honorários pelo advogado, quer os contratuais como os sucumbenciais, repito, garantiu sua autonomia e seu caráter alimentar. Trata-se de uma verba fixada na sentença, ao terceiro que a lei exige participar do processo, que tenha legitimidade processual para representar as partes, mas não se confunde com estas.
Então, pela sua autonomia, seu caráter alimentar e crédito de terceiro, não vejo como se admitir a compensação dessa verba, quando da ocorrência da sucumbência recíproca, ao menos após a edição da Lei n° 8.906/94.
No entanto, além da Súmula 306 [Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte], o STJ tem reiterado e repetidamente decidido pela possibilidade de sua compensação. Da mesma forma, nossos Tribunais Estaduais e Federais são uníssonos no mesmo entendimento.
São exemplos disso no Superior Tribunal de Justiça:: AgRg no Resp n° 555358, AgRg no Resp n° 1020877, AgRg no Resp n° 954853, REsp n° 201105, REsp n°1184638, REsp n°872959, EDCl no REsp n° 1144343 e EDCl no REsp n° 1188094, só para citar os precedentes mais recentes do ano de 2010.
A Corte Especial do STJ, por exemplo, assim decidiu no REsp 963528, tendo como Relator o Min. LUIZ FUX, publicado no DJe de 04/02/2010:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.  SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. SÚMULA 306 DO STJ.   TRIBUTÁRIO.  MULTA FISCAL. REDUÇÃO. ALEGADO EFEITO CONFISCATÓRIO. SÚMULA 284 DO STJ. INAPLICABILIDADE DO CDC. DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. MULTA MORATÓRIA. ART. 17 DO DECRETO 3.342/00. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.  SÚMULAS 282 E 356 DO C. STF.
1. "Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte." (Súmula 306, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/11/2004, DJ 22/11/2004) 2. O Código de Processo Civil, quanto aos honorários advocatícios, dispõe, como regra geral, que: "Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria." "Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas." 3. A seu turno, o Estatuto da OAB - Lei 8.906/94, estabelece que, in verbis: "Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência." "Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor." "Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
(omissis) § 3º É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência." 4.  A Lei nº 8.906/94 assegura ao advogado a titularidade da verba honorária incluída na condenação, sendo certo que a previsão, contida no Código de Processo Civil, de compensação dos honorários na hipótese de sucumbência recíproca, não colide com a referida norma do Estatuto da Advocacia. É a ratio essendi da Súmula 306 do STJ. (Precedentes: AgRg no REsp 620.264/SC, Rel. Ministro  HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 26/10/2009; REsp 1114799/SC, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 28/10/2009; REsp 916.447/RS, Rel. Ministro  ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2008, DJe 29/09/2008; AgRg no REsp 1000796/BA, Rel. Ministro  PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 13/10/2008; AgRg no REsp 823.990/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2007, DJ 15/10/2007; REsp 668.610/RS, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2006, DJ 03/04/2006) 5. "O artigo 23 da Lei nº 8.906, de 1994, não revogou o art. 21 do Código de Processo Civil. Em havendo sucumbência recíproca e saldo em favor de uma das partes é assegurado o direito autônomo do advogado de executar o saldo da verba advocatícia do qual o seu cliente é beneficiário." (REsp nº 290.141/RS, Relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJU de 31/3/2003) 6. A redução da multa moratória para o percentual máximo de 2% (dois por cento), nos termos do que dispõe o art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, nesta parte alterado pela Lei nº 9.298/96, aplica-se às relações de consumo, de natureza contratual, atinentes ao direito privado, não incidindo sobre as sanções tributárias, que estão sujeitas à legislação própria de direito público.
(Precedentes: REsp 904.651/RS, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 18/02/2009; REsp 897.088/SP, Rel.Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 08/10/2008; AgRg no Ag 1026229/SP, Rel. Ministro  CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/06/2008, DJe 27/06/2008; REsp 665.320/PR, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/02/2008, DJe 03/03/2008)
(...)

Até mesmo quando uma das partes litiga com o benefício da AJG o entendimento está pacificado pela possibilidade da compensação (vide REsp n° 1187478).
Ademais, tem sido muito mais comum que os próprios advogados, interessados que deveriam ser na não compensação, eles próprios, arguam exatamente o contrário, ou seja, a ocorrência dela.
Então, a questão que se deve colocar é se uma decisão isolada e minoritária, que decide pela não compensação dos honorários de sucumbência é causa de efetividade na prestação jurisdicional? Ou estamos criando uma expectativa que não acontecerá, pois, reitero, que esse meu entendimento tem sido isolado e, mesmo que eventualmente vitorioso, a interposição de Recurso, entre eles o Recurso Especial ao STJ, tem resultado reforma desse entendimento e, assim, repita-se, retardada fica a prestação da jurisdição, e, ao final e ao cabo, autorizada a compensação.
Por tais razões, apesar de entender que os honorários são do advogado (autonomia), não compensáveis (crédito de natureza diversa e de credores distintos) e de natureza alimentar (reconhecido no STJ) e ressalvar que esse é o meu entendimento, o dia a dia tem demonstrado que a não adoção da orientação da Súmula 306 do STJ tem criado uma expectativa não realizável e, o principal, um retardamento na efetividade da prestação jurisdicional.
É o dilema que gostaria de comparttilhar.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO É NULA, DIZ 5ª CÂMARA CÍVEL DO TJRS

Em julgamento unânime, a 5ª Câmara Cível do TJRS descontituiU sentença parcial de mérito, por reconhecer a nuliade de tal provimento judicial.
            Para melhor entendermos o assunto, reproduzo a íntegra do julgamento, cujo acórdão ainda não foi publicado.

PUBLICADO O ACORDÃO N°70040972861 EM 4/5/2011


APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO. NULIDADE.
- A sentença parcial de mérito, no atual sistema processual civil brasileiro, é nula, devendo ser cassada para o julgamento único, ressalvado o eventual direito a antecipação, parcial ou total, dos efeitos da tutela.
- Para ser sentença não basta a decisão judicial ter por conteúdo alguma das situações dos arts. 267 e 269 do CPC. É necessário também que coloque fim a uma fase do procedimento em primeira instância.
- Admissibilidade do exame do recurso, para a solução proposta de cassar a decisão recorrida, diante da nulidade reconhecida.
APELO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, deram provimento ao recurso de apelação para desconstituir a sentença julgando prejudicado as demais questões vertidas no recurso. 
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (Presidente) e Des.ª Isabel Dias Almeida.
Porto Alegre, 27 de abril de 2011.


DES. GELSON ROLIM STOCKER,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Gelson Rolim Stocker (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A contra sentença parcial de mérito que julgou procedente o pedido formulado pelo autor.
Adoto o relatório da sentença (fls. 108-119), que transcrevo:
[ O texto da sentença pode ser acessado através do sitio do TJRS, processo n° 1.1001818017 ou da apelação n° 70040972861. Está sendo retirado dessa publicação pois ficou muito "pesado" para a visualização]

E a sentença assim fez constar em sua parte dispositiva:
“ISSO POSTO, em sentença parcial de mérito, julgo PROCEDENTE o pedido formulado pelo autor contra a ré, condenando essa a pagar àquela a importância de R$ 52.427,40, com correção monetária pelo IGPM a partir de 05.03.2010, acrescido de juros de mora de 12% ao ano, contados da citação.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários de dez por cento, ambos incidentes sobre o valor da condenação.

Por fim, em homenagem aos princípios da instrumentalidade, celeridade e economia processual, eventuais apelações interpostas pelas partes restarão recebidas no duplo efeito.

Ressalto que o recurso cabível é a apelação, mediante a formação de autos suplementares Nesse sentido a lição de Ricardo Oliveira Silva Filho, que sustenta o cabimento da apelação, mediante a formação de autos suplementares, 1 sem qualquer influência sobre a marcha do processo que prossegue para o julgamento do restante da demanda. 2 Ademais, não admitida a apelação, ficaria obstado o uso das faculdades processuais restritas à apelação – sustentação oral, embargos infringentes, não retenção dos recursos especial e extraordinário.

Idêntica é a lição do ilustre professor Tesheiner, que advoga, em se tratando de sentença definitiva, a utilização da apelação por instrumento, que terá curso em autos apartados, “devidamente instruída com as cópias necessárias à compreensão da matéria, declaradas autênticas pelo advogado, para que não se paralise o processo”. 3

Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá ao sr. Escrivão, mediante ato ordinatório, depois de formado o instrumento, abrir vista à parte contrária para contra-razões, e, na sequência, remeter os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça.

Idêntico procedimento deverá ser adotado na hipótese de recurso adesivo. Ressalvam-se, entretanto, as hipóteses de intempestividade, ausência de preparo (a menos que o recorrente litigue com gratuidade judiciária ou assistência judiciária gratuita ou postule o benefício no momento da interposição da irresignação) e oposição de embargos de declaração, quando os autos deverão vir conclusos.
Transcorrido o prazo recursal sem aproveitamento, certifique-se o trânsito em julgado e intimem-se as partes para que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, digam sobre o prosseguimento.
Cumpra-se. Registre-se. Intimem-se.

A ré apela às fls. 129-142. Alega a impossibilidade de cisão do mérito no caso concreto. Sustenta que a busca pela celeridade não pode renegar a segundo plano o princípio do devido processo legal  e do direito à ampla defesa. Pede a desconstituição da sentença para viabilizar a realização da perícia médica, a fim de averiguar se a invalidez do apelado é funcional, sua origem e o grau de extensão.
Também sustenta que a garantia de Invalidez Funcional Permanente Total por Doença somente pode ser liberada quando configurada as hipóteses previstas no contrato. Menciona que a indenização por IFPD é um adiantamento da garantia da morte, de forma que problemas de saúde que não comprometam a autonomia do segurado, a exemplo de hérnia discal, não autorizam a concessão de indenização.
Aduz que não há prova de que o apelado tenha se desligado do exército em razão da invalidez. Refere a cláusula 5ª do Capítulo IV que menciona as hipóteses de riscos excluídos. Pede o provimento do recurso para desconstituir a sentença
Contados e preparados, vieram os autos a esta Corte de Justiça para apreciação.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
Des. Gelson Rolim Stocker (RELATOR)
Eminentes colegas. Antes do enfrentamento do mérito propriamente dito, torna-se necessário decidir sobre a possibilidade da decisão judicial nos termos propostos pelo magistrado de primeiro grau.
O douto Magistrado a quo, em face da previsão do § 6º do art. 273 e da nova redação do § 1° do art. 162, ambos do CPC, entendeu possível e proferiu sentença parcial de mérito, pois, na visão do seu prolator de que, além da possibilidade de tal sentença, tem-se um instrumento adequado para atender ao princípio da célere prestação jurisdicional (art. 5º, LXXVIII da CF), possibilitando ao autor a constituição de um título executivo, abreviando, a espera pela tramitação do feito.
Devo registrar que a tese do E. Juiz de Direito, corroborada por plêiade de juristas citados na sentença é digna de reflexão. Aliás, transcrevo integralmente os seus fundamentos, para não sonegar dos E. Colegas nenhuma informação ou justificativa.

[ O texto da sentença pode ser acessado através do sitio do TJRS, processo n° 1.1001818017 ou da apelação n° 70040972861. Está sendo retirado dessa publicação pois ficou muito "pesado" para a visualização] É recomendável essa leitura!!!!!!!

Feita a transcrição integral da fundamentação da sentença, inclusive com suas indicações bibliográficas, vamos ao enfrentamento da tese.
Registro, ab initio, que a sentença de 23 laudas, utiliza praticamente 19 delas para justificar a adoção da chamada sentença parcial de mérito. E, salvo melhor juízo, três são os pilares principais utilizados pelo julgador para justificar a adoção da sentença parcial de mérito: 1°) a modificação legal do que seja sentença, através da nova redação do § 1° do art. 162, do CPC, onde esta não mais poria fim ao processo;  2°) A redução razoável do tempo de tramitação do processo; e, 3°) A simplificação do processo, pois o autor alcançaria a solução imediata de pelo menos parte da pretensão veiculada em juízo.
Então, a justificativa de tudo seria a celeridade e a efetividade, sem a qual, a toda evidência, não se justificaria a prolação de uma sentença parcial de mérito.
Esta questão – sentença parcial de mérito – já foi apreciada por este Julgador, por ocasião do julgamento da Apelação nº70023887037 quando integrante da 14ª Câmara Cível, tendo naquela oportunidade adotado o entendimento do E. Des. Leo Lima, proferida nos autos do apelo em Reexame Necessário nº70017516881, desta Quinta Câmara Cível, pedindo vênia, mais uma vez, para transcrever seus fundamentos:
É certo que, de acordo com o art. 5º, LXXVII, da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
 Todavia, também é verdade que, de acordo com o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
E, no caso, em que pese nobre o objetivo do julgador de primeiro grau, da prestação jurisdicional célere, capitaneado pelos ilustres doutrinadores que refere, tenho que, no caso, não há como subsistir a sentença.
É que, na hipótese, a solução adotada pelo magistrado encontra óbice intransponível no art. 463, I e II, do CPC, com a redação em vigor na data da sentença, ou seja, 14.03.2006 (fl. 344), segundo o qual, ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo ou por meio de embargos de declaração.
Até porque, sabidamente, com a publicação da sentença, cessa a competência do julgador de primeiro grau para decidir sobre questões ligadas ao mérito da causa.
Nessa ordem de coisas, então, a par de questões introduzidas com a nova sistemática trazida pela Lei nº 11.232/2005, que entrou em vigor em 23.06.2006, no sentido de que o julgador, com a prolação da sentença, não mais esgota a atividade jurisdicional, mas somente quando a decisão realmente se tornar efetiva, não há como perdurar as sentenças.
Até porque, a inserção do direito ao processo célere entre as garantias individuais do cidadão, previstas no art. 5º da CF, não pode permitir que outros princípios, igualmente constitucionais, sejam desprezados, como o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da CF e o princípio da segurança jurídica, disposto no art. 5º, “caput”, também da CF.

Eminentes colegas. Ao contrário do defendido na sentença recorrida, apesar de o legislador ter alterado o conceito de sentença, tendo em vista a implementação do processo sincrético ou multifuncional (um só processo para certificar, liquidar e executar), a sentença continua sendo o ato que põe fim a uma fase do processo (ou do procedimento), ou seja, põe fim a fase de conhecimento ou de execução em primeira instância.
Isso porque, as hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, do CPC podem constar de sentenças, mas também de decisões interlocutórias (v.g. indeferimento parcial da petição inicial pelo reconhecimento de prescrição de um dos pedidos; exclusão de algumas das partes no despacho saneador por ilegitimidade ad causam etc.).
Assim, apesar da lei conceituar sentença pelo seu conteúdo, ainda adoto o critério finalístico ou topológico para identificar a decisão do juiz como sentença ou não. Se colocou fim à fase do procedimento de conhecimento ou de execução, em primeira instância, sentença será.
Mas, devemos reconhecer, que a redação legal confunde, dando a idéia de que basta ter como conteúdo uma das situações do art. 267 ou art. 269, do CPC para constituir uma sentença.
Ocorre que o conceito legal deve ser complementado, senão vamos desorganizar o sistema recursal que a duras penas foi consolidado historicamente e criar uma insegurança que não deve ser o propósito dos defensores da sentença parcial de mérito. Aliás, a adoção do raciocínio da sentença nos levaria a ter de admitir a revogação do § 6º, do art. 273, do CPC, pois se possível a sentença parcial de mérito qual a razão da vigência da regra do referido § 6°, do art. 273, do CPC?
Então, repetindo, para ser sentença não basta ter por conteúdo alguma das situações dos arts. 267 e 269 do CPC. É necessário também que coloque fim a uma fase do procedimento em primeira instância.
Cumpre lembrar que o legislador nem foi tão longe a admitir a resolução antecipada de parte da demanda, pois disse, no art. 273, §6°, do CPC, que entendo não revogado, que se parte da demanda fosse incontroversa seria possível a antecipação de tutela e não o julgamento antecipado parcial.
Então, a primeira premissa, (alteração legal do conceito de sentença) não se sustenta. Mas, independente disso ou apesar disso, a prolação da sentença parcial de mérito só teria razão de ser se os demais princípios estivessem presentes nela (A redução razoável do tempo de tramitação do processo e a sua simplificação).
Da leitura da sentença não se pode discordar da maioria dos princípios nela declinados, como a necessidade da tutela rápida e efetiva, da simplificação do processo civil, da duração razoável do processo, da atividade criadora do julgador, dos eventuais problemas de uma sentença única em um processo, etc.
No entanto, não posso concordar que esses princípios, que são verdadeiros, estejam presentes na sentença parcial de mérito, pois não vejo celeridade e nem efetividade nesse tipo de julgamento.
O juiz dispõe de medida legalmente prevista para antecipar o direito da parte, como a antecipação da tutela a qual, mesmo sendo provisória, dá desde logo o bem da vida ao autor, enquanto que a sentença parcial de mérito protelaria para o trânsito em julgado tal entrega.
Ao prolatar a sentença parcial de mérito, o julgador não simplifica o processo, pelo contrário, o complica, pois teremos que discutir até mesmo qual o recurso cabível.
A duração razoável do processo não será melhorada com a sentença parcial de mérito, pois a complexidade desse ato resultará em inúmeras possibilidades recursais e de protelação da prestação jurisdicional, com a interposição de outros recursos, como o Extraordinário e o Especial.
Não se pode imaginar que a sentença parcial de mérito seria uma liberalidade do julgador, mas sim uma obrigação. Então, sempre que se fizesse presente os requisitos para tanto, inclusive durante o andamento do processo e para cada pedido, o juiz teria obrigação de proferir nova sentença. Então, se eventualmente a sentença única possa levar a algumas perplexidades, a multiplicidades de sentenças em um único processo certamente levará a muitos mais absurdos. Vejamos alguns: cingir-se-á o processo tantas vezes quantas forem as sentenças? Na era digital vamos dobrar ou multiplicar as folhas dos autos? E a responsabilidade pelas custas e honorários? E qual será a abrangência da coisa julgada? Haverá conexão entre os recursos? Haverá prevenção do julgador de segundo grau? Está o Tribunal preparado para receber um aumento de recursos e os cartórios de primeiro grau estariam preparados para a prática de todos os atos que lhe passam a ser exigido com a prolação da sentença parcial de mérito? Essas questões manteriam hígido o princípio de organização e segurança até agora conquistado?
O Projeto do novo CPC, não inovou tanto, mas trata da questão através do que ele chama de tutela da evidência (e o recurso cabível continua sendo o agravo de instrumento).
E, quanto a atividade criadora do julgador, não podemos olvidar que, acima dela, está o direito da parte e o respeito ao que ela veio buscar em juízo.
Enfim, muitos outros enfrentamentos ou discordâncias poderíamos trazer à discussão. Mas, penso que com os aqui referidos podemos meditar se essa experiência é benéfica a efetividade da prestação jurisdicional, simplificando-a ou complicando-a. No meu entendimento não a simplifica e nem a torna mais célere.
Saliento que não me oponho ao novo, à modernidade, ao melhoramento da prestação jurisdicional, mas, sinceramente, não vejo na ocorrência da sentença parcial de mérito, sem uma legislação clara e regulatória, uma solução, mas sim, mais um problema.
Uma última questão a ser enfrentada, diz respeito ao tipo de recurso cabível. Se não a reconheço como sentença não deveria conhecer do recurso de apelação. Se não era sentença, mas decisão interlocutória, caberia agravo de instrumento e, se interposta apelação, teria que examinar a fungibilidade recursal. E tudo isso pela simples razão de que não basta o Juiz dizer que proferiu uma sentença se o correto seria uma decisão interlocutória.
No entanto, quer pela fungibilidade recursal ou pelo princípio da efetividade da prestação, estou conhecendo do recurso para o fim de declarar nula a decisão recorrida e nominada de sentença parcial de mérito, devendo os autos retornarem a origem para ser único o procedimento e a sentença ao final.
 Ante o exposto, conheço do recurso interposto e lhe dou provimento, para desconstituir a sentença, reconhecendo como nula a sentença parcial de mérito, julgando prejudicadas as demais questões discutidas no recurso, determinando o retorno dos autos à origem para o regular processamento do feito.
É o voto.



Des.ª Isabel Dias Almeida (REVISORA)

Acompanho integralmente o voto do ilustrado Relator, que com exatidão e sabedoria analisou a questão sub judice, inclusive no tocante aos seus aspectos finalísticos.
Em que pese a intenção do douto Julgador de primeiro grau em tornar célere a jurisdição, com a prolação de sentença parcial de mérito, a solução por ele preconizada, salvo melhor juízo, encontra óbice intransponível no princípio da inalterabilidade da sentença (art. 463 do CPC). Ou seja, com a publicação deste ato, o juiz cumpre a acaba o ofício jurisdicional – ainda que relativamente a determinada fase do processo – somente podendo alterá-la nas hipóteses taxativamente previstas em lei.
A par disso, há outros princípios, de índole constitucional, como o princípio da legalidade e da segurança jurídica, insertos no art. 5º, II, e “caput”, respectivamente, da CF, assim como o do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), que, sopesados, impedem a manutenção da decisão proferida no juízo de origem.
Nesse contexto, impõe-se o provimento do apelo da ré, com a desconstituição da sentença, nos exatos termos do voto proferido pelo eminente Relator.

Des. Jorge Luiz Lopes do Canto (PRESIDENTE)
De acordo com o insigne Relator, tendo em vista que a questão de ordem processual em exame autoriza a conclusão exarada no voto, ressaltando que é possível solução parcial da causa quando é reconhecida, por exemplo, a preliminar de ilegitimidade passiva de um dos demandados em sede de saneador, questão afeta a carência de ação e que envolve o mérito da lide. Contudo, ampliar este rol de hipóteses com a procedência de plano de parte do pedido, não parece razoável para o caso dos autos, pois implicaria em atentar aos princípios da economia e celeridade processual, ou seja, exatamente aqueles que buscava preservar o Julgador de primeiro grau, além de limitar em muito a produção de provas e a ampla defesa.



DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO - Presidente - Apelação Cível nº 70040972861, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO PARA DESCONSTITUIR A SENTENÇA"


Julgador(a) de 1º Grau: DR PEDRO LUIZ POZZA