domingo, 27 de março de 2011

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O RECONHECIMENTO DE SUA NATUREZA ALIMENTAR E OS EFEITOS DECORRENTES JUNTO AOS CREDORES DA MASSA FALIDA.
          A questão acerca da natureza jurídica dos honorários advocatícios já não comporta maior discussão, visto já estar pacificado na iterativa e atual jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que possuem caráter alimentar, sendo equiparáveis a salário, independente do fato gerador (contratual ou sucumbencial). Nesse sentido:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUCUMBÊNCIA - NATUREZA ALIMENTAR.- Os honorários advocatícios relativos às condenações por sucumbência têm natureza alimentícia. Eventual dúvida existente sobre essa assertiva desapareceu com o advento da Lei 11.033/04, cujo Art. 19, I, refere-se a "créditos alimentares, inclusive alimentícios."
(EREsp 706331/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/02/2008, DJe 31/03/2008).

          Do voto condutor extraio a seguinte fundamentação:

Os honorários são a remuneração do advogado e - por isso - sua fonte de alimentos. Não vejo como se possa negar essa realidade.
Por isso - e a experiência de advogado militante me outorga autoridade para dizê-lo - os honorários advocatícios têm natureza alimentar e merecem privilégio similar aos créditos trabalhistas.
De fato, assim como o salário está para o empregado e os vencimentos para servidores públicos, os honorários são a fonte alimentar dos causídicos. Tratá-los diferentemente é agredir o cânone constitucional da igualdade.
Conforta-me saber que, nesse entendimento, estamos na boa companhia da Primeira Turma, que resgatou antiga jurisprudência desta Corte (Resp. 32741/HUMBERTO, Resp. 32900/NAVES, Resp. 119862/MILTON e RMS 12059/LAURITA), e do Supremo Tribunal Federal, que reformou acórdão do STJ (RMS 17.536/DELGADO, Relator para acórdão Ministro FUX) e definiu a natureza alimentícia dos honorários de advogado, livrando-os da dolorosa fila dos precatórios comuns (cf. RE 470.407/MARCO AURÉLIO no Informativo do STF n. 426 de 17 de maio de 2006).
O conforto acentua-se com a circunstância (destacada pelo Ministro Ari Pargendler) de que a discussão está superada pelo Art. 19, parágrafo único, inciso I, da Lei 11.033, de 21.12.2004. Esse dispositivo legal diz, textualmente, que a exigência de seu caput não incide quando se tratar de "créditos alimentares, inclusive honorários advocatícios".
Observo que a Lei não usa a conjunção "e"; utiliza o advérbio "inclusive", espancando dúvidas quanto à circunstância de que os honorários incluem-se no conceito de créditos alimentares.
Louvado nesses argumentos acolho os embargos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento ao recurso especial, e declarar a natureza alimentar dos honorários advocatícios, incluídos aqueles provenientes da sucumbência.

          A uniformidade foi obtida em razão da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 470407-DF de que foi Relator o Ministro Marco Aurélio, cuja ementa restou assim redigida, in verbis:

CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA - ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A definição contida no § 1-A do artigo 100 da Constituição Federal, de crédito de natureza alimentícia, não é exaustiva.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - NATUREZA - EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA. Conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia, ficando afastado o parcelamento previsto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, presente a Emenda Constitucional nº 30, de 2000.
Precedentes: Recurso Extraordinário nº 146.318-0/SP, Segunda Turma, relator ministro Carlos Velloso, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 4 de abril de 1997, e Recurso Extraordinário nº 170.220-6/SP, Segunda Turma, por mim relatado, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 7 de agosto de 1998.
(RE 470.407/DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 13.10.2006).

          Assim, reconhecida sua natureza alimentar, tanto para os honorários advocatícios de sucumbência como para os contratuais, a conseqüência é sua inclusão nos créditos com privilégio similar aos créditos trabalhistas, para efeito de recebimento como crédito de privilégio especial.

(*) Colaboração e pesquisa do Bel. Feres Augusto Frank Uequed, Assessor no TJRS.


sábado, 19 de março de 2011


INDENIZAÇÃO CONTRA FAZENDA PÚBLICA E A PRESCRIÇÃO.
(TRIENAL ou QUINQUENAL?)¹

        Aplicar-se-ia o Art.206, §3º, V, do CC/02 c/c Art.10 do Decreto 20.910/32 (3 anos) ou o Art.1°, do referido Decreto 20.910/32 (5 anos) nas pretensões indenizatórias em desfavor da Fazenda Pública?
       Apesar do tema não estar consolidado no STJ e nem na 5ª Câmara do TJRS, decidi trazê-lo a reflexão, com a esperança de receber colaborações².
       Na vigência do Código Civil de 1916, o prazo prescricional para as ações de responsabilidade civil era de vinte anos, salvo quando envolvia a Fazenda Pública, pois para esta aplicava-se o Art. 1° do Decreto n° 20.910/32:  



Art. 1º - As Dívidas Passivas Da União, Dos Estados E Dos Municípios, Bem Assim Todo E Qualquer Direito Ou Ação Contra A Fazenda Federal, Estadual Ou Municipal, Seja Qual For A Sua Natureza, Prescrevem Em Cinco Anos Contados Da Data Do Ato Ou Fato Do Qual Se Originarem.

       Agora, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o prazo prescricional para as ações de responsabilidade civil passou a ser de três anos (Art.206, §3º, V). Apesar disso, continuou-se a entender, pela maioria, que o prazo prescricional em favor da Fazenda Pública, em razão da especialização da norma (Decreto n° 20.910/32), mantera-se inalterado em 5 anos.
       Ocorre que o próprio Decreto supracitado, em seu Art.10 refere que, em havendo prazo prescricional menor aos 5 anos, o de menor prazo deve ser aplicado:



Art. 10º. - O Disposto Nos Artigos Anteriores Não Altera As Prescrições De Menor Prazo, Constantes, Das Leis E Regulamentos, As Quais Ficam Subordinadas As Mesmas Regras.

       Assim, diante da modificação levada a efeito no Código Civil de 2002, através do Art.206, §3º, V, que reduziu o prazo prescricional para 3 anos, é este que deverá prevalecer? Ou, por ser regra excepcional e especialíssima, continuaria vigendo o Art.1° do Decreto 20.910/32? Mas nessa hipótese, qual a razão do Art.10 do mesmo Decreto?
       Ainda, devemos superar a seguinte questão: pode uma lei geral revogar uma lei especial? Mas, para responder ao caso proposto, não podemos esquecer que a lei especial foi criada exatamente para beneficiar a Fazenda Pública, e agora, com a vigência do novo Código Civil, estaria "prejudicando-a", pois neste o prazo é menor.
      Em estudo realizado pela Procuradora do Município de Porto Alegre Dra. Cláudia Padaratz, esta concluiu:



O Código Civil de 2002, em relação às pretensões de reparação civil, inaugurou uma nova sistemática no tratamento do instituto da prescrição. A ocorrência de antinomia entre disposições do codex e regras pré-existentes determina o emprego de regras de hermenêutica tendentes a assegurar a lógica e a unidade do ordenamento. Impõe-se a preservação das prerrogativas da Fazenda Pública decorrentes do princípio do interesse público. O prazo de prescrição qüinqüenal para as ações pessoais, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, no art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597/42 e no art. 1º-C, Lei nº 9.494/97, vigora quando o prazo para os particulares for igual ou superior. Contrariamente, aplica-se o prazo de prescrição trienal previsto, no art. 206, § 3º do Código Civil, às ações contra a Fazenda Pública, em face do princípio do interesse público³.

       Para corroborar com esse entendimento, colaciono os seguintes precedentes do STJ:



ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL. PRAZO DE TRÊS ANOS. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1º DO DECRETO N. 20.910/32. TERMO A QUO. CIÊNCIA DOS EFEITOS LESIVOS.
1. O entendimento jurisprudencial do STJ pacificou-se no sentido de que se aplica o art. 206, § 3º, inc. V, do CC/02, nos casos em que se requer a condenação de entes públicos ao pagamento de indenização por danos materiais/morais.
(...)
(REsp 1213662/AC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011)
 
 ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.
1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº 20.910/32.
2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil – art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 – prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
3. Recurso especial provido.
(REsp 1137354/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 18/09/2009)

 
       Aliás, recomendo a leitura da fundamentação desse voto do MINISTRO CASTRO MEIRA, onde, creio, temos todos as razões para concordar com a conclusão da redução do prazo prescricional em favor da Fazenda Pública para as hipóteses de pretensão de reparação civil.
       Não desconheço decisões recentes do STJ e até renomado doutrinadores defendendo a manutenção do prazo quinquenal. Não obstante, pelo que pude concluir do estudo acima elaborado, passo a adotar, smj, a prescrção trienal.
 ____________________________
¹  Colaboração e pesquisa do Bel. Luiz Vinicius Mallmann de Magalhães, Assessor no TJRS.
²  stocker@tjrs.gov.br
³  Fonte:http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/repensandofazenda.doc

quarta-feira, 9 de março de 2011

O “quinto constitucional” nos Tribunais. (meu ingresso na era do blog)

Enfim, participo de mais uma evolução. Estou me referindo ao meu ingresso na era do “blog”. Não tenho dúvida que o mundo evoluiu, principalmente na questão da rapidez da informação. O que acontece hoje pode ser do conhecimento do mundo inteiro instantaneamente. Diz-se que isso é evolução, progresso, a máquina a serviço do ser humano. Ainda tenho dúvidas, pois quanto mais me utilizo das “ferramentas tecnológicas”, menos tempo tenho, ou melhor, muito mais tempo dedico às “ferramentas tecnológicas” e menos sobra para o “mérito” propriamente dito. Sem contar a privação do contato físico, do olho no olho, do abraço afetuoso, enfim, do que mais falta hoje: a fraterna solidariedade.
A inauguração do “meu blog” é um fato relevante e para mim seria tema suficiente para minha primeira manifestação através dessa “ferramenta tecnológica”.  Registro, no entanto e apenas isso: “minha evolução tecnológica...” (É bem verdade que meu filho Fernando teve relevante papel nessa minha evolução...).
Mas, passando a limpo os fatos relevantes nos últimos anos e dos quais sou protagonista, e profissionalmente falando, meu ingresso na Magistratura Estadual, na condição de Desembargador do Tribunal de Justiça, através do chamado “quinto constitucional”, creio seja o mais relevante de todos. Não pelo meu ingresso em si, mas pelo que significa institucionalmente a presença de um membro da advocacia, como representante da cidadania, integrando um dos Poderes do Estado Democrático e de Direito de nosso País. Essa a razão da escolha do assunto para minha primeira manifestação.
É expresso na nossa Carta Magna (Art. 1°, § único) que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. E, também é expresso na nossa Constituição Cidadã que, “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (art. 2°). E então, como podemos dizer que nosso Judiciário é integrante dos Poderes do Estado Brasileiro, se seus membros não são eleitos? E se, de regra, nem o povo pode fazer justiça diretamente? A resposta é muito simples: nossa Constituição Federal determina o ingresso ao Poder Judiciário, por concurso público de provas e títulos (Art. 93, I), ressalvando que um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto por membros do Ministério Público e dos advogados (Art. 94). Essa é a razão dessa quinta parte dos integrantes desses Tribunais terem sua origem no chamado “quinto constitucional”.
Há quem queira acabar com o “quinto constitucional”. Assim como há os que o defendem de forma intransigente, não só a manutenção, mas sua ampliação, através da representação paritária, ou seja, um terço para os juízes, um terço para os membros do Ministério Público e outro terço de representantes da advocacia. Bem, mas não é esse o objetivo dessa manifestação. É, isso sim, chamar a atenção para a importância e necessidade da manutenção dessa forma de ingresso nos Tribunais. Não podemos pensar que os integrantes do judiciário de origem na carreira da magistratura, se “fechando em si mesmos” (com o perdão da redundância), consigam melhora quantitativa e qualitativa na prestação jurisdicional ou nas garantias constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. E, não esqueçamos que há ideologias que gostariam que o Judiciário não fosse um Poder de Estado, inclusive pregando também o fim do parlamento. E não estão longe de nós...
Mas, não interpretem o que estou dizendo no sentido de que somente pela presença do “quinto constitucional” o Poder Judiciário continua sendo um Poder. Longe disso. O que estou dizendo é que a presença externa de integrantes da sociedade, através de uma escolha democrática entre os que gozam dos predicados constitucionais (notório saber jurídico, reputação ilibada e com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional (Art. 94 da CF) – para falar só dos advogados, minha classe de origem), ajuda a legitimar o Poder Judiciário a ser um dos Poderes do Estado. A interação e integração do Poder Judiciário com o Legislativo e o Executivo só podem trazer benefícios à sociedade e o exercício do preenchimento do “quinto constitucional” é sim um efetivo exercício dessa interação e integração democrática.

Aliás, desde a constituição de 1934, repetidas nas de 1937, 1946, 1967, 1969 e por último na de 1988, temos a regra do “quinto constitucional”. Na verdade, já em 1926 tivemos a primeira participação de advogado nos Tribunais, mesmo antes da previsão constitucional. Não é crível que essa norma constitucional continua e perdura por tantos anos, cada vez sendo aperfeiçoada, se não fosse importante para o Estado democrático e de direito.
É verdade que aos juizes de carreira há "redução das vagas” para o acesso destes aos Tribunais, mas seria essa razão suficiente para sua eliminação? Também é verdade que o advogado que passa a integrar os Tribunais não faz concurso público nos exatos termos que o Juiz de carreira o faz.  Mas seria exclusivamente o concurso público a redenção de todos os pecados! Também não vejo como a busca da indicação nas listas sêxtuplas (na classe de origem) e tríplices (no Tribunal), outra imputação, possa causar dependências ou indevidas interferências, pois não se poderia imaginar que os membros do próprio Poder Judiciário (para ficar só no Poder que hoje integro) seriam levados por critérios não republicanos na escolha dos nomes que integram uma lista tríplice de advogados destinada à escolha de um Desembargador ou que este não se disponha a ser independente e intransigente aplicador da Lei e da Justiça.
O Desembargador integrante do Poder Judiciário oriundo da advocacia deve agregar experiência, conhecimento, capacidade e cultura, entre outros predicados. É por isso que se pode afirmar que o “quinto constitucional” é uma forma de arejar os Tribunais pela participação de integrantes de outra formação que não apenas da magistratura. É uma forma democrática de participação no Poder de outros profissionais, ligados ao princípio de fazer justiça, capaz de aproximar esse Poder das transformações sociais e das exigências da modernidade e, com capacidade de ajudar na revitalização dessa atividade essencial do Estado.
Mas é importante que, além do seu ingresso nos Tribunais para a atividade jurisdicional, que  o “oriundo do quinto constitucional” tenha efetiva participação também nas instâncias decisórias do próprio Poder Judiciário. Mas esse será um tema para o futuro.