sábado, 19 de março de 2011


INDENIZAÇÃO CONTRA FAZENDA PÚBLICA E A PRESCRIÇÃO.
(TRIENAL ou QUINQUENAL?)¹

        Aplicar-se-ia o Art.206, §3º, V, do CC/02 c/c Art.10 do Decreto 20.910/32 (3 anos) ou o Art.1°, do referido Decreto 20.910/32 (5 anos) nas pretensões indenizatórias em desfavor da Fazenda Pública?
       Apesar do tema não estar consolidado no STJ e nem na 5ª Câmara do TJRS, decidi trazê-lo a reflexão, com a esperança de receber colaborações².
       Na vigência do Código Civil de 1916, o prazo prescricional para as ações de responsabilidade civil era de vinte anos, salvo quando envolvia a Fazenda Pública, pois para esta aplicava-se o Art. 1° do Decreto n° 20.910/32:  



Art. 1º - As Dívidas Passivas Da União, Dos Estados E Dos Municípios, Bem Assim Todo E Qualquer Direito Ou Ação Contra A Fazenda Federal, Estadual Ou Municipal, Seja Qual For A Sua Natureza, Prescrevem Em Cinco Anos Contados Da Data Do Ato Ou Fato Do Qual Se Originarem.

       Agora, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o prazo prescricional para as ações de responsabilidade civil passou a ser de três anos (Art.206, §3º, V). Apesar disso, continuou-se a entender, pela maioria, que o prazo prescricional em favor da Fazenda Pública, em razão da especialização da norma (Decreto n° 20.910/32), mantera-se inalterado em 5 anos.
       Ocorre que o próprio Decreto supracitado, em seu Art.10 refere que, em havendo prazo prescricional menor aos 5 anos, o de menor prazo deve ser aplicado:



Art. 10º. - O Disposto Nos Artigos Anteriores Não Altera As Prescrições De Menor Prazo, Constantes, Das Leis E Regulamentos, As Quais Ficam Subordinadas As Mesmas Regras.

       Assim, diante da modificação levada a efeito no Código Civil de 2002, através do Art.206, §3º, V, que reduziu o prazo prescricional para 3 anos, é este que deverá prevalecer? Ou, por ser regra excepcional e especialíssima, continuaria vigendo o Art.1° do Decreto 20.910/32? Mas nessa hipótese, qual a razão do Art.10 do mesmo Decreto?
       Ainda, devemos superar a seguinte questão: pode uma lei geral revogar uma lei especial? Mas, para responder ao caso proposto, não podemos esquecer que a lei especial foi criada exatamente para beneficiar a Fazenda Pública, e agora, com a vigência do novo Código Civil, estaria "prejudicando-a", pois neste o prazo é menor.
      Em estudo realizado pela Procuradora do Município de Porto Alegre Dra. Cláudia Padaratz, esta concluiu:



O Código Civil de 2002, em relação às pretensões de reparação civil, inaugurou uma nova sistemática no tratamento do instituto da prescrição. A ocorrência de antinomia entre disposições do codex e regras pré-existentes determina o emprego de regras de hermenêutica tendentes a assegurar a lógica e a unidade do ordenamento. Impõe-se a preservação das prerrogativas da Fazenda Pública decorrentes do princípio do interesse público. O prazo de prescrição qüinqüenal para as ações pessoais, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, no art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597/42 e no art. 1º-C, Lei nº 9.494/97, vigora quando o prazo para os particulares for igual ou superior. Contrariamente, aplica-se o prazo de prescrição trienal previsto, no art. 206, § 3º do Código Civil, às ações contra a Fazenda Pública, em face do princípio do interesse público³.

       Para corroborar com esse entendimento, colaciono os seguintes precedentes do STJ:



ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL. PRAZO DE TRÊS ANOS. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1º DO DECRETO N. 20.910/32. TERMO A QUO. CIÊNCIA DOS EFEITOS LESIVOS.
1. O entendimento jurisprudencial do STJ pacificou-se no sentido de que se aplica o art. 206, § 3º, inc. V, do CC/02, nos casos em que se requer a condenação de entes públicos ao pagamento de indenização por danos materiais/morais.
(...)
(REsp 1213662/AC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011)
 
 ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.
1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº 20.910/32.
2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil – art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 – prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
3. Recurso especial provido.
(REsp 1137354/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 18/09/2009)

 
       Aliás, recomendo a leitura da fundamentação desse voto do MINISTRO CASTRO MEIRA, onde, creio, temos todos as razões para concordar com a conclusão da redução do prazo prescricional em favor da Fazenda Pública para as hipóteses de pretensão de reparação civil.
       Não desconheço decisões recentes do STJ e até renomado doutrinadores defendendo a manutenção do prazo quinquenal. Não obstante, pelo que pude concluir do estudo acima elaborado, passo a adotar, smj, a prescrção trienal.
 ____________________________
¹  Colaboração e pesquisa do Bel. Luiz Vinicius Mallmann de Magalhães, Assessor no TJRS.
²  stocker@tjrs.gov.br
³  Fonte:http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/pgm/usu_doc/repensandofazenda.doc

6 comentários:

  1. Caro Dr Gelson, parabéns pelo seu blog! Já vou colocar na minha lista dos links mais importantes. Também criei há pouco tempo um blog para discutir sobre Direito das Famílias. Abraços.

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  2. Cumprimento o Desembargador GELSON pela brilhante iniciativa de abrir este democrático canal para o debate dos temas jurídicos. Recomendo aos interessados que leiam os acórdãos n. 70041124751, 70041245499 e 70041255092 , todos relativos ao julgamento de embargos infringentes no 3o. Grupo Cível do TJRS, acerca da matéria. Lá, poderão compreender os fundamentos jurídicos pelos quais prevaleceu (por 4 x 2, na composição do dia 01 de abril) a posição de o prazo ser de TRES ANOS, adotando o PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO. Saudações e ótima semana a todos. DES. NEY W. NETO

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  3. Dr. Stocker,

    visando colaborar com a discussão referente ao prazo prescricional em relação à Fazenda Pública, divulgada no Espaço Vital de hoje, tenho que o STJ passou a adotar posição no sentido de que será de 3 anos o prazo para propor ação de reparação de danos contra a administração pública, prazo do código civil, pois sempre prevaleceu um regime jurídico mais favorável para a Administração; o próprio decreto 20910/32, no artigo 10, fala que se existir lei especial com prazo menor, deverá prevalecer o prazo menor, sendo este o fundamento do STJ, devendo prevalecer o prazo do artigo 206, §3º, V, do CC.

    A própósito, salvo engano, tal entendimento que deu origem à súmula 405 do STJ, pela qual "A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos."

    atenciosamente,

    Luciano Trunfo
    Assessor MP-Torres

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  4. Prezados,

    A fim de enriquecer o debate, informo que, recentemente o Departamento de Contencioso da PGF (AGU) atuou, pelo DNIT, no REsp 1145494, ocasião na qual a 2ª Turma do STJ posicionou-se no sentido de que o prazo a ser aplicado nas demandas indenizatórias movidas contra a Fazenda Pública corresponde ao triênio fixado no CC de 2002.

    Vale a pena dar uma olhada no segundo acórdão proferido na ocasião, que deu provimento aos embargos de declaração da autarquia, com efeitos infringentes.

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.

    PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO ART. 206, § 3º, INC. V, DO NOVO CÓDIGO, EM DETRIMENTO DO DECRETO N. 20.910/32.

    1. Nos aclaratórios, sustenta a parte embargante que o acórdão embargado incorreu em omissão e contradição, uma vez que não considerou a incidência da novo Código Civil na espécie - diploma normativo vigente à época dos fatos.

    2. Na espécie, a origem deixou expresso no acórdão que os fatos que ensejaram a pretensão indenizatória aconteceram em 6.5.2002, tendo sido a presente demanda ajuizada em 31.5.2006. No acórdão ora embargado, considerou-se incidente o Decreto n. 20.910/32.

    3. No âmbito desta Corte Superior, pacificou-se o entendimento no sentido de que aplica-se o art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil de 2002, em detrimento do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, em relação às pretensões de reparação civil contra os entes públicos sempre que assim determinarem a regra de transição e/ou a data da ocorrência do fato danoso. Precedentes.

    4. Segundo o art. 2.028 do novo Código Civil, "[s]erão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".

    5. O novo Código Civil entrou em vigor em 11.1.2003, razão pela qual, no caso concreto, aplica-se já o disposto em seu art. 206, § 3º, inc. V, uma vez que, nesta data, ainda não havia transcorrido mais da metade do prazo previsto na lei anterior (ou seja, dois anos e meio a contar de 6.5.2002).

    6. Assim sendo, o prazo para o ajuizamento da presente ação vencia em 11.1.2006, sendo que a presente demanda foi proposta em 31.5.2006, o que caracteriza a consumação da prescrição.

    7. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para reconhecer a consumação a prescrição na hipótese em exame.

    (EDcl no REsp 1145494/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 17/03/2011)

    Atenciosamente,
    CARLOS ANDRÉ STUDART PEREIRA
    PROCURADOR FEDERAL
    Responsável pelo Núcleo de Ações Diversas
    Responsável pelo Setor de Cobrança e Recuperação de Créditos
    Avenida Rio Branco, nº 1.260, Centro, Mossoró/RN, CEP 59.611-400.
    Telefone: (84) 3064-2100 ou (85) 9138-2232 (TIM)

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  5. Bom dia, amigos.

    Vejam o que foi recentemente publicado no Informativo nº 477 do STJ:

    "A Turma, em questão de ordem (QO) suscitada pelo Min. Teori Albino Zavascki, decidiu remeter o julgamento do feito à Primeira Seção. A quaestio diz respeito ao prazo prescricional aplicável às ações de indenização contra a Fazenda Pública. Ressaltou-se que, quanto à matéria, observa-se a aplicação de prazos diferentes entre a Primeira e a Segunda Turma (cinco e três anos respectivamente). QO no AgRg no Ag 1.364.269-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, em 14/6/2011".

    Podemos esperar que em breve o STJ firmará um posicionamento.

    Abraços e continuem estudando.

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  6. Caro Exmo. Dr.Gelson:

    Estou estudando tal matéria, e estou diante de um caso exatamente inverso, onde a União ajuizou demanda em face de sujeito que causou dano ao erário. Porém o ocorrido já tem 4 anos. Daí surgiu minha dúvida. A recíproca será verdadeira. Hoje, inclusive aqui no Estado do RJ, é privilegiado o prazo trienal em face da Fazenda Pública, mas se a situação for inversa, pode a Fazenda Pública se beneficar ou deverá também obedecer o prazo de 3 anos com base no princípio constitucional da Isonomia?

    Excelente o Blog! Parabés e obrigado pelo canal de acesso!!!

    Forte Abraço

    Ricardo Moreira

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